Maricá/RJ,

Um dedo de prosa


Eu não sou do tempo da lousa, mas sei um pouco dessa lãmina de pedra, que em tempos passados se usava para escrever. Segundo minha mãe, cada criança tinha a sua lousa. O pouco tempo que ela frequentou uma escola, no interior de Minas, a menina Joana tinha a sua pedra, para ali escrever. Preciso perguntar a Mãe Joana, como se fazia para apagar a escrita errada. Seria pedra sobre pedra? No computador eu sei, no meu que não é o de última geração, e muito menos o teclado. É só apertar a tecla “backspace”. E por falar em geração, seria a lousa, um ancestral longínguo do tablet? 
De minha mãe tenho várias informações sobre o tempo da lousa, da palmatória como recurso didático e disciplinar. Sei também das poucas crianças, filhas dos empregados da fazenda, a frequentar timidamente a mesma escola dos filhos dos fazendeiros. Da lousa imagino que devia ser um objeto escolar, a pesar nas mãos das crianças, como pesa hoje a mochila nas costas ou aqueles incômodos carrinhos que a meninada puxa pelo caminho da escola. Sei, entretanto dos cadernos, um para cada materia. Da borracha para apagar, que podia ser substituída pelo miolo de pão, que cumpria a mesma tarefa, só que deixando um resíduo sobre o erro, na verdade inapagável. Conheci a caneta à tinta, o tinteiro e o mata-borrão. Os dois útimos objetos, acho que hoje, só podem ser vistos em museus ou são coisas de pertença de alguns saudosistas dos anos 60. Não sei da palmatória, mas sei de sofridos puxões de orelha recebidos por minha dificuldade de pronunciação de determinados sons. Eu menina, já tendo um entendimento do texto, de frases como essa: “Pituchinha fugiu da caixinha”, lia entre o entusiasmo e o pavor: “Pituzinha fuzil da cazinha”. A professora aos berros ordenava que eu lesse a frase novamente e mais. Mais e sempre. E em meio à repetida leitura a minha orelha era castigada, para que eu deixasse de ser surda e pronunciasse corretamente a expressão. Em casa diziam que eu tinha a língua presa. E como doia também, quando as patroas de minha mãe e de minhas tias, perguntavam insistentemente o meu nome, só para me ouvirem dizer: “Malia da ...” O “conceição” era pronunciado de uma forma, que para transcrever, eu precisaria da ajuda de um linguista. Esses contrangimentos me perseguiram até ali por volta dos meus 9 anos. O tempo da foniatria e da fonoaudióloga, na minha infância, pertencia a um futuro por acontecer. Creio que a minha língua foi se endireitando, se libertando, aos poucos. Hoje tenho a língua solta. Solto o verbo, engana-se quem pensa que eu não grito. Podem ver, pois, que se não sou do tempo da lousa, do tablet também não sou, embora eu testemunhe o milagre do mundo digital acontecer, todos os dias. O difícil é entrar nesse templo e saber dialogar com esses deuses. Diante de todas essas lembranças e experiências aceitar ter um blog, para mim é um desafio. E só enfrento o mesmo porque não vou manipular essa maravilha sozinha. Quem tem a porção mágica é Patrícia Custódio. Ela é quem conhece a alma do negócio e, portanto vai manter o “Nossa Escrevivência”, com o material que lhe for enviado. Um dia desses enquanto o blog estava sendo construído, nos prazerosos momentos, em que ela, Regina Moura e eu buscávamos formas de nomear as seções do blog, me foi oferecida, contra a minha vontade, a visão do avesso, ou melhor, do lado oculto da coisa. Uma arquitetura incompreensível. Números, sinais, mistérios por traz de tudo. Não sei o porquê de ter sido submetida a tamanha tormenta. Eu que gosto de escrever à lapis. Becos da Memória, Ponciá Vicêncio, Sabela (romance pronto e ainda inédito), como também a maioria dos poemas e contos publicados, foram escritos primeiro à lápis, em folhas de papéis ou cadernos. A habilidade de escrever direto no computador só atingi, por necessidade, ao escrever a tese de doutorado. E agora eis aqui, o “Nossa Escrevivência” de Maricá para o mundo. 

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